505

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— Bora, caralho. Não adianta de nada vir até aqui e não passar pela porta.

Engoliu em seco. O súbito ímpeto de coragem, e o consequente influxo de adrenalina, já tinham esfriado durante a longa e anticlimática viagem até o endereço da festa – ficar trinta minutos em pé diretamente aninhado sob as axilas de um idoso no ônibus lotado tem o potencial de remover o brilho nos olhos de qualquer um, talvez descobrisse mais tarde em uma epifania pessoal.

— Um minuto. Estou consultando meus antepassados.

— Seus antepassados eram fodidos como a gente, o aval deles não vale nada. Para de enrolar e toca, bora.

Com protestos silenciosos, foi empurrado até ficar de cara com o compensado cinza da porta do apartamento 505. Olhou para trás e buscou empatia em um rosto amigo, encontrando apenas a expressão enfadada de quem já havia passado pela mesma situação dezenas de vezes e gostaria de um lugar para sentar e tirar a bolsa dos ombros.

Tocou a campainha com um gesto tímido, e não ouviu a frequência estridente de costume, mas um suave blim blom. Do lado de dentro, ouviu-se um coro de vozes gritando descoordenadamente "campainha!" e "porta!", seguido de uma voz enfática, porém doce, respondendo "já vai!", acompanhando passos rápidos e surpreendentemente leves.

A porta foi aberta por uma jovem de sorriso largo. Em relação a ele, era minúscula; Não devido à sua estatura mediana, mas aos 197 centímetros da sola do pé ao topo da cabeça do rapaz. Não obstante, era o suficiente para que ela intimidasse o gigante – física e psicologicamente.

— Chegaram cedo pra amanhã! Entra, entra, já tá quase todo mundo aqui.

– Sussu já chegou? — interviu o segundo rapaz, passando à frente. 

— Dormiu comigo, Celinho? Não, ainda não, ela mandou uma mensagem há umas horas dizendo que tava saindo de casa, mas coisa de vinte minutos atrás viram aí que ela postou um vídeo do gato no Twitter.

— Filha da puta, só porque me fez trazer o livro dela. Vou largar contigo.

— Não vai mesmo.

Com um abraço e um beijo em cada bochecha da anfitriã, o rapaz entrou pela sala de estar e foi ovacionado, também de forma descoordenada, por vários outros jovens espalhados pelo sofá, pelo chão e no balcão de bar da cozinha americana.

Gilberto, ainda no hall de entrada, inquietamente olhava para a moça à sua frente e para os próprios pés, alternadamente. Tirou um pequeno embrulho do bolso e estendeu as mãos.

– Feliz aniversário.

– Ah, muito obrigada! Não precisava ter trazido nada, eu não botei lá na descrição do evento? Abaixa aqui, deixa eu te abraçar – disse, trazendo o tronco corpulento do rapaz em direção ao chão enquanto ficava na ponta dos pés. 

– Não abre agora não, deixa pra abrir depois. E me fala se gostou.

– Vou gostar com certeza! Agora entra, tá maior barulho e preciso fechar a porta aqui para a moça do 507 perturbar menos amanhã. Fica à vontade, tá? Tem comida na mesa – indicou – e na varanda tem um isopor com as bebidas, acabou gelo mas o pessoal pediu pra entregar mais. Se não tiver o que você quiser, dá uma olhada no freezer que também tem coisa e pode tirar e colocar lá. 

A moça gesticulou com a cabeça para um corredor iluminado, e disse:

 – Eu vou dar uma checada na Mari no banheiro e já volto, tá? Ela se empolgou mais cedo e tá fazendo um detox orgânico abraçando o vaso.

E com um leve toque de despedida em seu braço, saiu de vista.

O rapaz circundou a sala, se aproximando para esporadicamente cumprimentar algumas pessoas, tudo sob o som da música que saía de uma caixinha JBL no rack da TV. A maior parte apenas conhecia de vista, já que suas únicas coisas em comum com a aniversariante eram gostar de Barbatuques, a julgar pela playlist, e uma viagem de carro para São Pedro da Aldeia em 2004.

Caminhou para a varanda, que perdendo só para a cozinha, era seu lugar de preferência em festas caseiras, e se apoiou na sacada do quinto andar. 

Se torceu de lado para buscar no bolso da jaqueta um maço de cigarros, e reparou que não estava sozinho.

– Porra Leo, que susto. Não te vi aí.

– Eu tava aqui o tempo todo. Você que tá no seu próprio mundo aí – disse o homem de capuz, fumando seu próprio cigarro.

– E aí? Vai fazer mesmo então? Hoje?

– Vou. Já enrolei demais.

O homem deu um trago longo e engoliu, e um pouco de fumaça cinza saiu do seu nariz. Ele pegou um isqueiro da calça e ofereceu ao rapaz. – Fogo?

– Não, mudei de ideia.

Gilberto olhou para o céu nublado e respirou fundo. – Frio do caralho. 

E voltou para dentro, guardando o cigarro no bolso da calça e fechando a porta da varanda atrás de si.

Já estava cansado de esperar pelo momento certo. Já estava consumindo toda sua energia não deixar sua perna bater de ansiedade enquanto fingia prestar atenção em uma roda de conversa próxima, sempre de olho no corredor ao fundo. Célio estava reclinado sobre o balcão do bar, flertando com algum convidado desconhecido. "Bom suporte", pensou Gilberto consigo mesmo, se perguntando se realmente conseguiria fazer o que precisava. 

Antes que pudesse começar a hesitar, encontrou uma brecha: a anfitriã saiu do banheiro e cruzou o corredor em direção a um dos quartos, perpendicular à saída para a sala. O rapaz rapidamente olhou para a esquerda, confirmando com o homem de capuz, ainda na varanda. Ele retornou a mensagem assentindo com a cabeça, e fez um sinal positivo com o polegar. Gilberto olhou para a direita, e mesmo supostamente distraído, Célio imediatamente retornou o olhar de esguelha, fazendo um sinal positivo curto e imperceptível ao seu pretendente. Com as mãos suadas, o coração acelerado e o estômago embrulhado, o rapaz pediu licença para os presentes e se levantou, tomando cuidado para não esbarrar em quem estava sentado no chão.

Com cada passo, sentia-se mais ansioso. Por quanto tempo havia adiado este dia? Teria a coragem necessária, ou não seria mais sensato voltar para casa, refletir um pouco mais sobre? Não tinha consigo nenhum motivo explícito para ser especificamente hoje.

Com sua visão turva e seus pensamentos em outro lugar, não teve o reflexo de desviar de um esbarrão de ombros com um dos convidados, que, por pouco não derrubou seu copo de cerveja. O impacto e o leve susto o trouxeram de volta para a realidade.

– Ih cara, foi mal! Tá tudo bem?

– Relaxa mano, tá tranquilo. 

Com dois tapinhas nos ombros, Gilberto já estava dando meia volta para a saída do apartamento -- aquilo claramente era um sinal para desistir -- quando o sujeito disse:

– Ou... Você é o Gil, não é? Irmão do Fifo?

O rapaz ficou imóvel.

– Pô, nem sei como falar direito isso... Sinto muito, mano. Tipo, eu não era tão próximo, mas ele era uma das melhores pessoas que eu conhecia. De verdade, meus pêsames.

– ... Ele era mesmo. Valeu, cara.

O sujeito estendeu os braços para um abraço, e o rapaz, apesar de ter se acostumado, ainda contou os segundos para que terminasse logo. Depois de sua volta para o ambiente de conversa, e sentindo todas as dúvidas irem embora, Gilberto se moveu com passos rápidos até a porta do quarto.

Entrou silenciosamente, fechando no trinco atrás de si. Do ângulo que estava não conseguia ver a anfitriã, por causa do armário embutido na parede à direita. Bateu na madeira da sua lateral três vezes:

– Posso entrar? -- Disse sem sair do lugar.

– ... Gil? Pode sim, o que foi?

– Eu... eu devo ir embora por agora.

– Já? Aconteceu alguma coisa? -- Ela disse, vindo para a esquerda e entrando em seu ângulo de visão -- Tá se sentindo bem?

– Sim, sim, tá tudo bem. Eu só não sou muito de... gente, mesmo. A festa tá legal. Pessoal é gente fina.

– Ah, poxa. Mas que bom que se divertiu! Se for pegar um Uber, é melhor botar o endereço mais pra baixo da rua porque o GPS às vezes acha que--

– Antes disso -- interrompeu -- Eu queria que você abrisse o presente.

Ela o fitou com expressão neutra. Ele não havia saído do mesmo lugar, bloqueando o acesso para a porta com seu corpo largo. Ela olhou rapidamente para a porta, para a esquerda, e para o rapaz. Por fim, deu um sorriso com a metade de baixo do rosto e disse:

– Ah, claro! Inclusive, obrigada de novo, realmente não precisava!

E caminhou para a penteadeira encostada na parede oposta à porta, nunca ficando completamente de costas para o rapaz, que também se aproximou.

Fez menção de abrir as gavetas, mas diretamente sob o olhar do homem alto, tinha hesitação em seus movimentos.

– Tudo bem aí? Não tá achando? -- Ele disse, em monotom.

– ... Acho que deve ter caído quando esbarrei na cômoda mais cedo procurando um negócio.

A moça dobrou levemente os joelhos e esticou o braço para vasculhar a lixeira ao lado do móvel, e retirou um pequeno embrulho de papel de presente. O homem continuava sem demonstrar nenhuma expressão no rosto.

– Abre.

– Aqui tá meio escuro, não quer acender a luz de cima?

– Você vai saber o que é. Só abre.

Ela hesitou, olhando de soslaio para a porta atrás. 

A jovem depositou o embrulho sobre a palma da mão esquerda, e com a mão direita começou a delicadamente desfazer o laço que ornava o pacote.

O rapaz, em um movimento brusco, levou a mão direita ao bolso de trás da calça. A moça percebeu o movimento, e de um movimento só saltou para trás e arremessou com força o embrulho em seu rosto.

Gilberto, por reflexo, trouxe a mão de volta para frente e rebateu o pacote, que caiu com um som úmido e desagradável no chão de madeira. Durante essa brecha, a moça saltou por cima da cama, chutou o armário para acertar seu ângulo e pousou entre o homem e a porta. Com toda sua força, chutou a parte de trás do seu joelho esquerdo com a base do calcanhar, e alcançou a maçaneta da porta.

Entretanto, o trinco não se abriu. Do outro lado da porta, o homem de capuz puxava a porta contra o batente, seu cigarro ainda aceso na boca. Seu comportamento não estava sendo mal visto pelos outros convidados, porque, à exceção de Celso que conferia o corredor do prédio através do olho mágico, estavam todos reunidos na sala imóveis, em silêncio, e cobertos por seu próprio sangue.

A jovem começou a socar e chutar furiosamente a porta, urrando palavrões e chamando aos gritos por ajuda, mas sua única resposta era a voz da JBL – que agora tocava um álbum de eletroswing – e uma única voz grave vinda de trás:

– Acabou, filha da puta.

A moça se virou a tempo de ver a figura enorme segurando uma faca de churrasco – sua própria, que estava em um cepo na cozinha — sobre a cabeça. Mais rápido que o homem pudesse golpear, flexionou os joelhos e deu um salto, acertando a cabeça em seu queixo. O homem cambaleou para trás e grunhiu, mas não afrouxou a mão da arma. A jovem, se aproveitando da suspensão momentânea da diferença de nível, avançou com o pé direito virando o torso para o lado, tomou seu pulso com a mão esquerda, e com a mão direita empurrou seu cotovelo para a direção oposta, O homem urrou, e a faca caiu no assoalho.

A porta do quarto se abriu com violência, e a mulher se viu entre os três homens em um espaço apertado, com a parede à sua direita e a lateral do armário à sua esquerda. O homem de capuz avançou, segurando um punhal ensanguentado, longo e escuro riste ao tronco, mas ela se abaixou e o interceptou pela altura do quadril, usando o momento de seu movimento para arremessá-lo por cima e para trás, e fazendo-o se chocar contra o homem alto, ainda agachado segurando seu braço direito inerte.

Entretanto, assim que se levantou após o arremesso, sentiu algo rasgar seu abdômen. O terceiro rapaz estava de pé, logo fora do quarto, mirando uma balestra para o interior do cômodo. Imediatamente começou a engatilhar o próximo tiro, ao mesmo tempo em que recuava lentamente para a sala.

A moça baixou os olhos rapidamente para a seta incrustada na barriga, vendo sua camisa de algodão laranja se encharcando com um líquido quente que a grudava em seu torso, e voltou o olhar para trás. De um só movimento, tomou do chão a faca de churrasco e avançou em direção ao atirador.

Celso se apressou ainda mais, mas a moça cobriu a distância com facilidade em passos leves e destros. Ao sair para a sala de estar, pôde sentir o cheiro de ferrugem que pairava no ar mesmo antes de ver a pilha de corpos na visão periférica.

O homem deixou a arma cair aos seus pés e agarrou um dos bancos altos do bar que estavam próximos. Segurando-o pelo assento, investiu frontalmente com a base de ferro como se empunhasse uma lança. A jovem ferida deu um passo para a direita, buscando atacar contra seu flanco, mas julgou incorretamente a distância e o metal a atingiu na lateral esquerda do tórax, não perfurando profundamente, mas rasgando a camisa e fazendo-a cambalear.

Vendo a oportunidade, o homem largou o banco no chão com um som metálico alto, pivotou o pé esquerdo no chão, girou o corpo para a esquerda e a atingiu com um chute de peito do pé o abdômen da mulher, no mesmo lugar onde a seta da balestra havia se alojado. Com um resmungo alto de dor, a moça perdeu a força nas pernas e caiu de lado no chão.

O homem encapuzado saiu do quarto, brandindo o punhal escuro. Observou a mulher e o companheiro, e no segundo seguinte já estava correndo para a moça, mergulhando e montando em sua bacia para impedir que se levantasse. Quando estava aproximando a arma de seu rosto, a jovem gritou com uma potência superior à da caixa de música:

– AGORA!

O brado em si fez pausar o movimento do homem por um instante. Ele olhou brevemente ao redor sem aliviar o peso e sem girar a cabeça, e, não vendo nada acontecer, encostou o gume da lâmina logo abaixo da linha do maxilar da jovem.

– Grita mais, filha da puta! Morre gritando pra gente ver se consegue te ouvir do inferno!

A jovem, deitada em uma poça quente de seu próprio sangue, sorriu.

– Se lá desse pra gritar, seria muito mais tranquilo.

E observou enquanto o homem à sua frente deixava a arma escorrer da mão e cair ao lado de sua cabeça. As suas córneas em um instante se encheram de vasos, e sangue escorreu pelas maçãs de seu rosto. Trouxe as duas mãos ao pescoço, e começou a tossir e cuspir um material escuro e viscoso. A moça estendeu os dois braços na lateral do corpo e, fazendo força com os pés contra o solo, usou o quadril para arremessar seu atacante para o lado.

O outro rapaz, da balestra, estava de pé com as costas contra o balcão do bar, estático enquanto observava a jovem se levantar com dificuldade. Seus olhos arregalados iam da moça para o companheiro, que rolava no chão apertando a própria garganta. Pôde ver que de seus ouvidos também escorria um líquido escuro, que espirrava pelo chão conforme ele violentamente sacudia a cabeça, e quando suas roupas passavam pelo ângulo certo com a luz amarela do abajur da sala, Celso observou que algo escuro encharcava a parte da frente e de trás das calças do encapuzado.

Mal dando tempo para esta observação, a jovem terminou de se levantar e pegou novamente a faca de churrasco. O homem tateou pelo balcão sem desviar os olhos até encontrar um copo de vidro grosso, que arremessou contra a suposta amiga de anos. A atingiu na virilha sem quebrar no impacto, mas quicando no chão e se partindo em pedacinhos, espalhando vidro por uma grande área. A moça grunhiu silenciosamente e levou as mãos entre as pernas, sentindo a dor do impacto subindo pelo abdômen e se mesclando à queimação e fisgadas da seta de chumbo, mas não o suficiente para perder a força nas pernas de novo.

Ela se pôs ereta e olhou fundo nos olhos do amigo, que agora pegava uma garrafa de cerveja. Celso, logo após levantar o vidro acima da cabeça para o arremesso, sentiu uma dor lancinante e um calor irradiando da sua coxa direita; olhou para baixo e viu que a faca de churrasco estava enterrada até a empunhadura na sua perna. A adrenalina o impediu de soltar a garrafa como reflexo, firmemente segurando seu bico, mas de pouco adiantou: em meio segundo a moça já estava bem à sua frente, com um sorriso sem dentes e sobrancelhas franzidas.

– Dizem que a pior parte vem agora.

O homem ouviu estas palavras, na voz doce e familiar de uma de suas amigas mais antigas, e calmamente repousou a garrafa vazia de volta no balcão. Olhou de volta para o companheiro caído, e agora seus olhos que começavam a chorar lágrimas negras e de odor pútrido.

– Leo não consegue nem morrer sem fazer um escândalo, cara.

E dizendo isto, desabou no chão, engasgando-se e convulsionando o corpo. A jovem olhou de volta para o rapaz encapuzado, que jazia totalmente imóvel, os braços finalmente relaxados. Seus dedos haviam deixado marcas vermelhas intensas no seu próprio pescoço.

– Mari, resolve o Gil aí pra mim por favor? -- a moça falou para o alto, lutando contra o som da caixa de música, que agora reproduzia uma propaganda do Spotify.

– Tá resolvido.

Uma voz grave respondeu a jovem, e do quarto saiu uma mulher baixa, de cabelos loiros encaracolados e braços pálidos. Na mão direita segurava um punhal rubro, e na mão esquerda, pendendo pelos cabelos, uma cabeça humana.

Ao entrar na sala, a segunda mulher olhou ao redor, correndo os olhos analiticamente pelo chão. Os pedaços de vidro, dispostos como um arquipélago de ilhas em um mar composto pela substância densa e negra, brilhavam como jóias quando refratavam a iluminação incandescente do apartamento.

– Sinto que a gente conversa pouco sobre o aspecto estético da coisa.

– Isso aí é privilégio dos — a moça ferida grunhiu enquanto removia o projetil do seu torso, usando o punhal negro do rapaz encapuzado. A lâmina era extremamente afiada, tornando o processo bem menos doloroso do que poderia ser, mas o contato do material metálico escuro com sua pele a dava uma ansiedade inexplicável — estética é privilégio dos que não sentem esse teu cheiro fodido. 

– Vai se foder então. Se vira sozinha aí na próxima.

A mulher arremessou a grande cabeça para o centro da sala, fazendo-a rolar por cima do sangue, visco e vidro até os pés da morena.

– Heh. Sabe aqueles brigadeiros chiques, que os granulados são meio que metálicos? — disse ela, puxando delicadamente a camisa encharcada para desgrudar da ferida.

– Hm... Ah, tipo os da festa do casal libanês lá?

A loira olhou para a cabeça de Gilberto, pensativa.

– Enxergo.

– E o porre, passou?

– Porra, nada deixa sóbria mais rápido do que tirar a luz de uns filhotes de dodô. Dito isso, ainda tá tudo girando e vomitei no seu quarto.

O diálogo das duas foi cortado por um singelo blim blom vindo da porta de entrada.

– ... a cara de Sussu me chegar exatamente essa hora.

A loira riu, mas o movimento do diafragma a fez precisar segurar a boca para mitigar o enjôo.

– Urgh. Mas e aí, é pra deixar entrar? É bom ter mais braço pra limpeza, né?

– Melhor não. Ela não sabia do Celinho ainda, e tô sem paciência pros dramas de Sussu hoje. Já foi maior torração de saco com o Fifo, parece que ela sempre é a última a perceber essa porra, cara.

– Se ela quer continuar se apegando depois desse tempo todo já devia estar preparada. Mas tá, vou apagar as luzes aqui e dizer que a gente já tava dormindo e esqueceu o som ligado.

– Ah, Mari, peraí.

A jovem de cabelos pretos longos deu passos cuidadosos ao redor da cabeça de Gil e se abaixou próxima ao corpo de Celso, prestando atenção para não juntar muito vidro na sola de sua sandália, e botou a mão por dentro de sua jaqueta.

— Quê que foi? Já vai pegar brinde?

A moça se levantou e estendeu para a companheira uma cópia puída de Meu ano de descanso e relaxamento.

— Aproveita e devolve a porra do livro.